quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sobre o I Colóquio Corpo e Dramaturgia

Essa semana estive em um dos colóquios do MAC (Museu de Arte Contemporânea), em Niterói: o I Colóquio de Corpo e Dramaturgia, organizado por Martha Ribeiro e Bia Cerbino, do PPGCA – UFF.
De acordo com o meu avanço sobre o estudo da arte, me aproximo, inevitavelmente por minha criação teatral, às questões do corpo ou, como a integrante da mesa de debate Viviane Matesco apontou, às questões corpóreas – a corporeidade na arte contemporânea. O título, em si, me foi demasiadamente atraente, além de profissionais da área que sempre quis ouvir. Como mais um dos emblemáticos eventos do MAC, saí de lá crente que achei minha tese de mestrado (essa “epifania” já me aconteceu umas vinte vezes). Hoje, contudo, ao invés de esperar o dia do mestrado, irei achar o meu novo post (que relevante [!], porém, conciso).

O Berço de Steinbeck
A minha história com o corpo vem de recente data. Apesar de minha formação em interpretação ser focada em Grotowski, o corpo como interrogação aconteceu para mim quando fui convidada a participar do elenco da peça itinerante “O Berço de Steinbeck” com Samir Murad, pois ele, o corpo, em cena, não se apresentava apenas em sua representação da forma humana: ele se figurou em imagem sensorial através da energia provinda de uma relação de carne, de coletividade. Tive com o diretor o trabalho de desconstrução da minha humanidade para revoar outros signos – não novos signos (posto que tudo que é social faz referência a diferentes símbolos pertinentes e demarcados na cultura ocidental, quiçá uma referência à escrita japonesa), mas um ensaio linguístico proposto pelo corpo e seu calor.  

In On It
Um dia você ainda me verá fazendo alguma coisa louca parecida nas ruas de Santa Teresa, pois essa experiência, francamente, me cicatrizou para sempre. Foi, então, ao acaso, que encontrei uma demanda (uma das plurais existentes) da arte contemporânea: o encontro com o real. O real para Lacan seria “aquilo que não se cessa de não se inscrever”. A mim parece muito próprio da condição humana procurar possuir o mundo a sua volta, por uma determinada necessidade (causa) que varia de acordo com o seu contexto histórico e a racionalidade conveniente desse período (Cristianismo, Humanismo, etc): nós recriamos caminhos e instrumentos para entender e usufruir daquilo que nos cerca e nos influencia de maneira imensurável e, justamente por ser sem medida, procuramos a sua escala. Aquilo que conseguimos referenciar como símbolo e como alegoria se entende como realidade – o muro que nos rodeia, que está palpável a significação, mesmo que ela varie com o tempo (como a compreensão da figura de nuvens e céu nublado, que em épocas medievais fazia referência às pessoas que se encontravam “acima”, e que hoje faz referência a tensões prestes a se precipitar em conflito – Tchekov simplesmente é tarado por esse recurso). O homem (sic) não se contenta com a sua realidade (novidade [!]); o que o perturba é o furo da imagem, aquilo que foge da significação, mas é presente, é corpo, algo que fere, pois é excesso de matéria (querida expressão do Merleau-Ponty), é carne – como o feminino. 

Ninguém me disse que não seria fácil
Esse real que fere, mas não cessa é o que instigou esse trabalho que realizei em “O Berço de Steinbeck”, essa conversa com algo que não compreendo, mas possui uma energia e está marcado em mim, na memória do meu corpo (senão não poderia compartilhá-lo), e precisa ser revelado. Re-velado, para sarar, mesmo que seja apenas no momento da performance, essa ferida dionisíaca.

No despontar do colóquio, percebo que todos se encontram nesse devir, mesmo que não nomeiem da mesma forma. Para Lígia Tourinho, diretora do Jogo Coreográfico, esse processo se dá como o desaparecimento do corpo do artista (enquanto ego), cessando de aparecer e, assim, potencializando novas superfícies.  

Jogo Coreográfico

Cada vez mais eu vejo a ação cênica, do palco, como um sonho.

Um lugar onde simplesmente surgem novas superfícies em torno desse umbigo que é o real.

O ponto crucial do colóquio foi a afirmação de que a dramaturgia contemporânea não poderia ser falada como teoria, como algo unívoco, mas que é preciso reconhecê-la no plural (a lâmpada das coreografias femininas acende nessa hora), falar de dramaturgias como imperativo, indissociável para o debate da palavra e do corpo, já que se propõem teorias de escrita dramatúrgicas e ainda se descobrem meios de propor as questões dolorosas de nosso tempo.
Os textos dramatúrgicos recentes têm se desprendido da dramaturgia como um verbo causal, porque, cada vez mais, o corpo se apresenta como palavra e nem tanto quanto uma oração, com sujeito e predicado. Ou seja, o corpo cênico não se apresenta no palco para dar significação ao texto, torná-lo símbolo e visualmente compreensível, mas para apresentar, sem necessidade de consciência e de objetivação, novas superfícies e, portanto, se colocar como letra, como Aleph. A dramaturgia tem verticalizado os encontros do corpo e da palavra, fazendo desaparecer, então, o processo linear-causal em que primeiro existe o texto, depois o ator que interpretará a personagem; em que vem primeiro um e depois, o outro. A cena acontece simultaneamente, como um organismo que bate o coração e infla os pulmões a um só tempo.


Não há como, em minha miúda opinião, realizar uma dramaturgia que ainda exclui a questão corpórea do texto, como se, no processo de criação, viesse antes o texto e depois o corpo tentando significá-lo. 
Rede de Elásticos - Lygia Clark
Como afirmou a Márcia Zanellato na discussão, é preciso o embate do texto com a sua fisicalidade. É impressionante como surgem por trás dos becos escuros dramaturgos que só se preocupem com verbo, verbo, verbo. Observei isso em alguns dos textos na pluralidade que se afirma no Novas Dramaturgias, em aula com o Ivan Fernandes. Como se a desconstrução da narrativa não passasse pela questão do corpo. 

O próprio texto dramatúrgico, ao sofrer as intempéries do tempo e da sociedade, é transmutado; ao sofrer o dia-a-dia dos ensaios, é transformado pelo corpo coletivo. A palavra e o corpo se colocam sob a mesma corporeidade. Mas não: se escreve como se o corpo viesse apenas a representar a questão proposta pela dramaturgia, um instrumento, enquanto que, denoto novamente, a proposta precisa acontecer, como um dia Rafaela Amado me ressaltou, se realizar em cena, como cena, não em conceito, apenas.


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